Civilização islâmica

O termo islamismo ou muçulmano é muito utilizado nos dias de hoje, especialmente quando se fala de fundamentalismo religioso, de costumes femininos, como o uso da burca, ou dos conflitos que acontecem na península arábica. Mas é importante entender que essa religião, fundada no século VII pelo profeta Maomé, não diz respeito somente a esses assuntos. Sua história remonta há muitos séculos e é muito importante para entender muitos aspectos não só da cultura muçulmana como da cultura europeia, especialmente aquela herdada do Renascimento.

A região da península arábica, antes do nascimento de Maomé (ou Mohamed), era formada por diferentes povos, como hebreus, árabes, aramaicos, fenícios e assírios, que não possuíam um poder centralizado nem uma cultura comum. No geral, eram todos politeístas e tinham como ponto principal de adoração o templo de Caaba, na cidade de Meca, onde havia a consagração de diferentes imagens e símbolos religiosos, além da Pedra Negra, que era adorada por diferentes povos e tribos, pois segundo a tradição, ela havia caído do céu.

A região, por sua localização entre o Ocidente e o Oriente, era uma importante rota comercial e Meca era o principal polo da região. Por volta do ano 570, nasce Maomé, que durante cerca de 40 anos foi condutor de caravanas e comerciante. Nesse período, assim como os outros mercadores daquela época, teve grande contato com cristãos e judeus, povos monoteístas, que não compartilhavam do mesmo espectro religioso dos habitantes de sua região.

A fonte principal para saber mais sobre a vida do profeta Maomé é o livro sagrado do islamismo, o Corão, que compila seus ensinamentos e as diretrizes do islamismo. Assim, de acordo com esse livro, Maomé, por volta dos quarenta anos, passou a ter visões nas quais Deus (Alá), por intermédio do anjo Gabriel, o chamava a ser seu profeta e a estabelecer o monoteísmo na península arábica. De acordo com a tradição, Deus já havia mandado outros profetas ao mundo, Abraão, Moisés e Jesus, sendo Maomé o último e o mais importante, pois seria aquele que professaria a nova crença. É importante notar, no entanto, que Maomé, dentro da crença muçulmana não é um ser divino, como é o caso de Jesus Cristo no catolicismo.

Seguindo as revelações de Deus, Maomé passou a pregar a nova fé, baseada no monoteísmo e nas ideias de justiça divina. A mensagem era simples: submissão a Deus e necessidade de purificação antes do Juízo Final e incluía ainda a ideia de que era preciso proteger órfãos, viúvas e os mais pobres. Tais ideias encontraram um terreno fértil e foram acolhidas por várias pessoas, mas, ao mesmo tempo, desagradaram aos comerciantes da região, que passaram a perseguir o profeta.

Em 622, juntamente com vários discípulos, Maomé fugiu da perseguição de tais comerciantes e rumou à cidade de Yathrib (atual Medina), que ficava a 350 quilômetros ao norte de Meca, em um deslocamento que ficou conhecido como hégira, e marca o início do calendário muçulmano. Lá, converteu muitas pessoas e organizou a cidade de acordo com seus ensinamentos.

Decidido a retornar a Meca e purificar a Caaba, ou seja, retirar dela todos os símbolos e imagens religiosas menos a Pedra Negra, Maomé e seus discípulos promoveram a jihad, que significa “esforço de conversão”. Usualmente, fala-se de uma “guerra santa”, mas a ideia é que o jihad deve ser uma forma de levar a religião para outros lugares e, para isso, é possível, mas não obrigatório, o uso da violência. É importante destacar que a jihad para os muçulmanos significa uma forma de se purificar ao levar os ensinamentos de Deus a outras pessoas.

Voltar a Meca e a conquistar significava uma vitória para a religião, pois segundo as revelações de Deus a Maomé, a cidade deveria ser o principal ponto de peregrinação dos fiéis, que deviam ir a essa cidade pelo menos uma vez na vida. A importância dessa localidade se dava pela Caaba, que teria sido construída por Abraão seguindo uma ordem divina e a Pedra Negra nela presente que teria sido entregue pelo anjo Gabriel a Ismael, filho de Abraão. Assim, para destacar o papel do templo e da cidade na religiosidade de cada fiel, era preciso purifica-los retirando todos os símbolos religiosos.

Entre 622 e 632, data da morte de Maomé, o islamismo foi levado à maioria dos povos árabes e isso levou a uma unificação desses diferentes grupos, que passaram a ter um elemento comum: a religião. Essa conversão foi feita, em grande parte, por meio de ação militar, mas vale destacar que os muçulmanos não impunham de imediato a aceitação da religião nas regiões conquistadas, limitando-se a cobrar impostos daqueles que não se convertiam.

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Expansão do islamismo pós-Maomé

Essa adesão às pregações de Maomé e ao islamismo levou à unificação dos povos árabes, algo totalmente inédito. Após a morte de Maomé, seu sogro, Abu-Beck, consolidou a unificação política da região, instaurando um modelo teocrático (ou seja, sistema em que o poder político é fundamentado no poder religioso), em que o califa governa a partir dos preceitos da lei islâmica.

Os sucessores do profeta, além de consolidarem a unificação da região também foram responsáveis por expandir a religião e o poder muçulmano sobre outras partes do mundo, inclusive para a Europa. A dinastia omíada, que governou entre 661 e 750, foi a responsável por conquistar o território de Jerusalém para os muçulmanos e, em 711, por invadir a península ibérica.

Assim, durante cerca de um século foi construído um grande império que abrangia os territórios que hoje são chamados de Palestina, Irã, Índia, Síria, Iraque, Espanha, Egito, África do Norte e algumas ilhas do Mediterrâneo. No século XIII, esse império começou a se desintegrar, dando origem a outros império que mantiveram a religião islâmica como elo de ligação.

Essa grande expansão teve como principal motivo a conversão religiosa de outros povos, mas podem-se destacar também outros aspectos importantes que tornaram possível o estabelecimento de tão grande império, como: a necessidade de os árabes procurarem terras mais férteis, a ideia da doutrina do jihad, que prometia aos que morressem lutando pela fé um lugar no céu, o enfraquecimento dos dois maiores impérios do oriente, o persa e o bizantino e a pouca resistência encontrada nos povos dominados, pois os muçulmanos não impunham a religião de início.

No século X, os califados islâmicos dominaram o comércio do Mar Mediterrâneo, mas logo as disputas religiosas e políticas entre as diferentes dinastias permitiram que os muçulmanos perdessem sua força coesa e dessem espaço para que os cristãos retomassem alguns territórios durante as Cruzadas dos séculos XI e XII. Essas disputas causaram uma grande divisão entre os muçulmanos, que segue até hoje, dando origem a dois grupos que lutam pelo poder político-religioso. De um lado, estão os sunitas, seguidores do Corão e do Suna (livro de pregações piedosas de Maomé), que aceitam como líderes políticos pessoas eleitas pelos fiéis. De outro lado, estão os xiitas, que aceitam apenas o Corão como livro sagrado e a liderança política de descendentes de Maomé. Assim, as disputas entre esses dois grupos se dão tanto por motivos religiosos, havendo divergências sobre aspectos doutrinários, quanto políticos, pois eles tem ideias diferentes sobre o tipo de liderança que devem seguir.

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Mesquita de Omar ou Cúpula do Rochedo em Jerusalém

Cultura islâmica

O mundo muçulmano, que se estendia da Espanha às fronteiras com a Índia, prosperava por conta do comércio e tinha como fatores de unificação a religião, a política e a língua árabe. Um fato pouco destacado quando se fala de islamismo e cultura é a importância que esse império teve na preservação e renovação das obras científicas escritas por persas e gregos, que tiveram grande influência no desenvolvimento da medicina, da astronomia e da matemática. Grande parte dessas obras foram muito utilizadas pelos humanistas durante o Renascimento (LINK), já que foi a partir do contato comercial entre as cidades italianas e o Oriente que muitas obras clássicas foram “redescobertas” e utilizadas.

Assim, os muçulmanos foram os responsáveis por difundir alguns conhecimentos e descobertas do Oriente para o Ocidente, como o papel, a bússola, a pólvora, o conceito de numeral zero, o álcool e o ácido sulfúrico.

Vale destacar também que a civilização islâmica era essencialmente urbana e comercial, num período em que a Europa Ocidental era quase totalmente baseada na agricultura e no sistema feudal. As cidades muçulmanas, organizadas em torno das mesquitas (local de culto), eram tomadas por comerciantes, que ocupavam tendas, vielas e praças, onde caravanas de mercadores se reuniam.

A arquitetura muçulmana é muito característica e as mesquitas são grandes exemplos. Tais templos eram rodeados por grandes torres pontiagudas, os minaretes, que servem para que os líderes religiosos chamem os fiéis para as orações diárias. No interior, encontram-se os arabescos, desenhos geométricos estilizados e versos escritor na caligrafia árabe. Por receio da idolatria, quase não existem representações humanas ou de animais e Deus (Alá) nunca era representado por uma imagem.

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Mesquita Azul, em Istambul

Princípios do islamismo

São várias as regras que os fiéis muçulmanos devem seguir. A primeira e mais importante é a devoção a um só Deus: “Só há um Deus, que é Alá, e Maomé é o seu Profeta.” Além disso, para se purificar, todo convertido deve fazer orações cotidianas em honra de Alá e voltado para Meca, onde está a Pedra Negra, símbolo do compromisso e da amizade entre o homem e Deus. Dar esmolas é obrigatório àqueles que podem e existem algumas datas especiais que devem ser lembradas e celebradas.

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Muçulmanos em Meca

Islamismo hoje

Atualmente, o islamismo é a segunda maior religião do mundo, mas o senso comum liga essa religião somente aos fundamentalistas. É importante destacar que os fundamentalistas religiosos são uma minoria. Para eles, a religião deve ser levada da forma mais estrita possível, levando a uma interpretação literal das leituras sagradas.

A partir da Revolução de 1979, um grupo de muçulmanos reabilitou conceitos como a jihad de forma literal e violenta, voltando suas ações especialmente contra os Estados Unidos, por conta da ação desse país na eleição de um governante de seu interesse. A partir de então, essa interpretação literal e estrita da religião vem sendo praticada por grupos muçulmanos no mundo todo, mas isso não significa que todos os praticantes dessa religião pensam da mesma forma e agem com a mesma radicalidade.

Assim, conceitos como muçulmanos, islamismo, árabes e fundamentalistas devem ser sempre pensados de forma crítica, levando em conta sua historicidade e significado cultural e social. Recuperar a história nos faz mais críticos com os fatos do presente e deve levar sempre a uma reflexão mais profunda e trabalhada.

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