A Conquista da América

Império Espanhol até 1800

Império Espanhol até 1800

O historiador Carlos Fuentes diz que a América foi muito desejada antes mesmo do seu conhecimento. Ao aportarem em solo americano, os espanhois já traziam atreladas à sua bagagem cultural, ideias imaginadas sobre como seria esse continente, como deveriam procurar riquezas e/ ou fixarem-se nessas terras. Neste post trabalharemos o período da colonização espanhola da América, mais uma das épocas que encontramos na História, permeadas por dominações, massacres e a imposição cultural.

No século XV, enquanto Portugal dominava a circunavegação da África e o comércio com as Índias, a Espanha de Fernando e Isabel de Castela decidiu apoiar e financiar uma aventura temerosa. Cristóvão Colombo, navegador genovês, acreditava que a Terra era redonda e que se seguissem a direção Oeste, chegariam na Ásia.  Em 1488, foi dado o aval para a expedição. Porém, foi em 12 de outubro de 1492, após trinta e três dias de viagem em alto mar, com uma tripulação desconfiada e condições insalubres, que Colombo aportou no atual Caribe, mais especificamente nas Bahamas.

Muitos descrevem essa viagem como desapontadora para a coroa espanhola. Afinal, não chegaram ao Oriente. Contudo, todo o território “descoberto” e explorado pelos espanhois tornava-se sua posse. Isso, além das práticas mercantilistas de acúmulos de metais e monopólios comerciais, fez com que Espanha e Portugal desejassem formalizar acordos para que, no fundo, nenhum ficasse no caminho do outro. Ou seja, mesmo que as riquezas não estivessem tão às vistas logo da chegada das primeiras expedições na América, era inteligente por parte dos espanhois, em querer alguma regulamentação daquelas terras, haja vista a possibilidade de domínio português.

Em 3 de maio de 1493, por intermédio do papa nascido em Valência, Alexandre VI (1431-1503), foi redigida a Bula Inter Coetera, que estabelecia as fronteiras imaginárias dos territórios americanos. Basicamente, a 100 léguas a oeste de Cabo Verde foi traçada uma linha e Portugal possuiria as terras a leste e a Espanha a oeste. Os portugueses alegaram favorecimento aos espanhois e não assinaram a bula. Propuseram, portanto, uma nova linha. Esta estaria a 370 léguas de Cabo Verde, e continuariam com as terras a leste (e a preciosa rota que contornava a África). Para a Espanha não haveria muitas mudanças, já que os territórios descobertos por Colombo ainda lhe pertenceria. Então, em 7 de junho de 1494, foi assinado o Tratado de Tordesilhas.

Tratado de Tordesilhas - 1494

Tratado de Tordesilhas – 1494

Esses são aspectos legalistas da dominação tanto espanhola quanto portuguesa. Vocês podem perceber que não foi mencionado qualquer tipo de ocupação prévia daquelas terras. Isso significa duas coisas: que nem passava pela cabeça dos colonizadores considerar os nativos; e que a dominação foi tão forte, que hoje em dia, possuímos muito mais afinidades culturais com a Europa do que com as civilizações pré-colombianas (denominadas assim porque estavam na América antes de Colombo).

A América seria o local inóspito e maravilhoso imaginado pelos europeus, e conteria uma ambiguidade em seu cerne: de um lado seria o Paraíso na Terra, local de uma pureza humana que não existia mais na Europa, o cenário perfeito para a construção de um império cristão; e de outro, território de costumes pagãos, sociedade em desordem, idolátrica e pecadora, por parte dos nativos. Os europeus desbravadores eram o povo eleito para ocupar e reorganizar essa terra prometida.

No caso da colonização da América Espanhola, no século XVI, várias expedições foram realizadas para tomarem posse do território, que era muito vasto. O modo pelo qual se estabeleceu a dominação, variou muito de região para região, devido, sobretudo, aos habitantes que lá já viviam. Dentre as denominadas três grandes civilizações indígenas, maias, incas e astecas, só as duas últimas sofreram o ataque, pois os maias já haviam sido extintos antes da chegada dos espanhois. Os astecas estavam ao norte, hoje no atual México, e os incas ao sul, atual Peru, mas ambos processos de colonização foram discutidos de maneira parecida pela historiografia, principalmente àquela romântica do século XIX, com a denominação de grandes conquistadores que lideravam o movimento. Foram esses, Hernán Cortés e Francisco Pizarro.

– A conquista do México

Em 1519, Cortés e sua armada aportaram na ilha de Hispaniola (atual República Dominicana), previamente explorada por Colombo. Porém, não permaneceram ali e viajaram para as terras à oeste, que futuramente seria chamada de Yucatán, península no litoral mexicano. No continente, a quantidade de ouro era muito maior do que nas ilhas, um atrativo maior. Essa viagem até tornou-se, acima de tudo, um desejo pessoal muito grande de Cortés, de vencer, de ser o primeiro a chegar a tal lugar. Na imaginação do conquistador, Montezuma reconheceria a superioridade do império do rei Carlos V e se renderia. Não haveria a necessidade de qualquer tipo de batalha, porque ser súdito do rei espanhol e cristão era a única possibilidade que passava em sua mente.

Rota de Cortés

Rota de Cortés

No momento em que Montezuma II soube da chegada do grupo espanhol, ordenou que se retirassem. Os conquistadores, por sua vez, não se aventuraram sozinhos pelo território desconhecido. Vários povos indígenas que já haviam sofrido com a dominação asteca se uniram aos europeus para derrotar seu inimigo maior. O uso de intérpretes por parte dos espanhois foi fundamental para o sucesso na conquista. Ao chegar a Tenochtitlán, Cortés foi acolhido como hóspede, o que corroborou sua ideia de uma conquista pacífica. Existia a crença de que o espanhol seria o retorno de Quetzalcoalt, deus asteca que os guiou para o crescimento e dominação da área, e, naquele momento, exerceria o mesmo papel.

Alguns historiadores dizem que pode ter ocorrido algum tipo de má interpretação, falta de compreensão por ambas as partes. Montezuma não saberia das intenções do espanhois, e estes não perceberam que não estavam sendo muito claros. Pouco tempo depois da sua chegada, Cortés mandou prender Montezuma e o obrigou a reconhecer a superioridade do rei espanhol.

Conquista de Tenochtitlán - século XVIII, autor desconhecido

Conquista de Tenochtitlán – século XVIII, autor desconhecido

Em 1520, durante o curto período de ausência do conquistador, um de seus comandantes deu início a um massacre contra os nobres astecas, com o resultado de quase 2 mil mortos. Foi o início da guerra. O desenvolvimento bélico dos europeus era maior. O uso da pólvora e do canhão surpreendeu aos indígenas, assim como os cavalos, animal não nativo daquele território. Contudo, os nativos se adaptaram. Conheciam o local e passaram a promover ataques noturnos, pegando os espanhois de surpresa e os desafiando em uma terra desconhecida.

Por outro lado, as estratégias militares de Cortés fizeram toda a diferença. Se aproveitando da topografia local, pois Tenochtitlán foi uma cidade que se desenvolveu em cima do lago Texcoco, ligada por diques e pontes às porções de terra, mandou que jogassem no lago os corpos daqueles mortos por doenças como varíola ou mesmo gripe, não conhecidas pelos indígenas, altamente letais e que já tinham dizimado populações na Europa. A contaminação da água e de recursos básicos a partir de uma estratagema biológico foi a gota d’água. E em 1521, a grande capital asteca era de domínio espanhol. Eles planejaram e derrotaram um império estruturado como o asteca, com mais de 25 milhões de pessoas.

Inicialmente, Cortés recebeu condecorações da coroa espanhola, e títulos, como o de Marquês do Vale, além de ter sido nomeado governador e capitão geral. Porém, seu poder, aos poucos, encontrou dificuldade em ser mantido, devido às resistências vindas da própria Corte com suas prerrogativas. Faleceu com as finanças arruinadas em dívidas.

A conquista do México foi um dos maiores eventos históricos, sobretudo pelo choque cultural ocorrido quando europeus e indígenas encontraram-se pela primeira vez. As mudanças desde então foram plurais, tanto para aqueles que tiveram seu território invadido por homens nunca vistos, quanto àqueles que se aventuraram do outro lado do Oceano, num sonho incerto e perigoso. Esse momento histórico foi um período de fronteira, novidade, sobretudo nos estabelecimentos de relações entre os indígenas e os europeus. Os espanhois chegaram nessa terra com um objetivo certo, encontrar ouro, e se depararam com outras relações comerciais que, com o tempo, mostraram-se infrutíferas, como a escravização dos índios.

– A conquista do Peru

Na chamada América andina, a situação foi um pouco diferente. O império Inca foi conquistado por Francisco Pizarro, mas após duas tentativas frustradas. Um dos grandes motivos, além da geografia dificultosa da região, principalmente do Peru e da Bolívia, com seus terrenos entrecortados e a altitude, era a força interna do império Inca. Eles possuíam um sistema político bem hierarquizado e estratificado, encabeçado pela elite nobre, e o imperador era considerado o filho do deus Sol.

Os espanhois chegaram nas fronteiras dos incas em 1528. Já havia ocorrido a conquista do México, então estavam mais preparados sobre o que encontrariam. Nessa época, o imperador era Huayna Capac, que alegava ser da mesma linhagem do legendário Manco Cápac, criador do povo inca. Ele continuou a expansão territorial iniciada pelo seu pai, Tupac Inca, chegando a região do Equador. Ao mesmo tempo em que a supremacia inca era inquestionável, o governo de Huayna Capac passou a sofrer algumas dificuldades. O imperador se apoiava nos seus dois filhos, Tupac Cusi Hualpa, mais conhecido como Huáscar, e Atahualpa, filho ilegítimo. Enquanto o primeiro dominava a região de Cusco, capital inca,  e o segundo, originário de Quito, um dos territórios conquistados por seu pai, manteve-se no local, e contava com o apoio majoritário da armada inca. Em 1531, após disputas internas, Atahualpa tornou-se o imperador. Foi nesse imbróglio que surgiu a figura de Pizarro.

Francisco Pizarro e seus irmãos Gonzalo, Juan e Hernando, receberam permissão da coroa espanhola para conquistar a região andina em 1529. Em 1531, chegaram ao Peru e, assim como ocorreu com Cortés no México, o imperador foi informado. Além disso, os espanhois também passaram como deuses pelo povo quéchua.

Um dos primeiros passos de Pizarro foi solicitar um encontro com Atahualpa em Cajamarca, região onde estava de passagem. Hernando de Soto e Hernando Pizarro foram os emissários destinados a transmitir as prerrogativas do comandante: queriam que o chefe indígena aceitasse a fé cristã e a superioridade do papa e de Carlos V. O imperador concordou e chegou ao local combinado. Lá, foi interpelado por um espanhol a mando do conquistador, que disse suas demandas. Ele discordou. Enfurecidos, os espanhois iniciaram uma batalha sangrenta, que matou boa parte dos acompanhantes e exército inca que acompanhava o imperador, a chamada Batalha de Cajamarca.

Encontro de Francisco Pizarro e Atahualpa – Guamán Poma de Ayala - 1532

Encontro de Francisco Pizarro e Atahualpa – Guamán Poma de Ayala – 1532

Após esse episódio, Atahualpa foi preso pelos espanhois e sua libertação negociada a partir de uma quantidade prata e ouro. Mesmo com o esforço dos incas de reunirem a quantia, o destino do imperador foi o sacrifício. Historiadores questionam qual seria a intenção de Pizarro, se torna-lo refém e mata-lo ou apenas buscava o ouro. Muitos compreendem que o conquistador estava sendo pressionado por seus colegas e comandados a matar Atahualpa e demonstrar a superioridade espanhola. Em 1533, após quase um ano de batalhas e confrontos, as cidades de Cusco e Quito foram tomadas e a conquista terminada.

Sacrifício de Atahualpa - Guamán Poma de Ayala - século XVI

Sacrifício de Atahualpa – Guamán Poma de Ayala – século XVI

A conquista não foi a maior dificuldade dos europeus. O período de estabelecimento da colonização foi extremamente complexo para os espanhois e portugueses que aportaram na América com uma ideia pré-concebida de como dominar, mas eles não contavam com um aspecto fundamental: os indígenas. A cultura asteca, inca e de demais povos, era complexa, estruturada e enraizada naqueles nativos. Cortés e Pizarro tornaram-se figuras míticas, emblemáticas, que marcaram a conquista dos espanhois em territórios inexplorados, período de um dos maiores choques culturais da História: a conquista do Novo Mundo.

Ana Carolina Machado

Dicas:

BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo – da descoberta à conquista, uma experiência européia (1492 – 1550). São Paulo: Edusp, 1997.

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