Estado Novo

Ligia Lopes Fornazieri

Pouco mais de três anos depois de promulgada a Constituição de 1934, parecia que o país viveria momentos democráticos (Getulio Vargas entrara no poder em 1930, através de uma revolução, a chamada Revolução de 30) com eleições presidenciais. Mas em 10 de novembro de 1937, ocorreu um golpe de estado, em que Getulio Vargas instituiu uma ditadura, chamada de “Estado Novo”.

O pretexto para o golpe foi a “descoberta” de um plano comunista judeu chamado de “Plano Cohen”.  Este consistiria numa conspiração que teria sido descoberto por militares do círculo mais próximo de Vargas. Segundo este plano, os comunistas iriam desencadear a revolução, que seria iniciada com o assassinato de personalidades da nação, saques e invasão do território por forças estrangeiras. Mais tarde, documentos comprovaram que esse plano foi uma invenção de um integralista.

Assustadas com a ameaça comunista, as elites e a classe média apoiaram as ações do governo, que fechou a Câmara dos Deputados e o Senado, suspendeu as eleições presidenciais que aconteceriam em 1938 e outorgou uma nova Constituição. Apesar desse apoio, o Estado Novo foi implementado sem muitas mobilizações, pois o movimento popular e os comunistas estavam enfraquecidos e não puderam reagir.

Os integralistas liderados por Plínio Salgado também tiveram uma participação ativa no golpe, pois, além de inventarem o Plano Cohen, apoiaram Getulio Vargas com o intuito de conseguir alguma participação no novo governo que se formava, o que acabou não acontecendo.

A Constituição de 1937 ficou conhecida como “Polaca” por conta de seu caráter autoritário e centralizador que atribuía ao governo poderes excepcionais, características que também eram encontradas na Constituição da Polônia. Assim, o presidente poderia editar decretos-leis sobre assuntos que historicamente eram de alçada do poder legislativo. Além disso, foi instituída a pena de morte para crimes políticos, a autonomia dos estados foi limitada, os partidos políticos foram extintos (inclusive a Ação Integralista Brasileira, que havia apoiado o golpe), os sindicatos foram colocados sob o rígido controle do Estado, as greves foram proibidas e foi determinada a censura prévia a qualquer meio de comunicação.

Getulio Vargas intentava implantar no Brasil um novo governo que fosse substancialmente diferente daquele que era feito no país até então. Na verdade, a retórica da novidade de Vargas se iniciara com sua entrada no poder em 1930, através da Revolução de 30. Desde então, o presidente se esforçou em apresentar seu governo como uma novidade na história do Brasil. Todos os projetos implementados pelo chefe de Estado eram sempre muito propagandeados e sempre apresentados como frutos da grande clarividência e bondade do presidente.

Assim, Vargas assumiu o papel de mediador das relações sociais, se apresentando como o responsável por resolver os problemas entre trabalhadores e patrões. Sua política se baseava nas concessões que fazia às massas a fim de evitar o conflito de classes. Essa estratégia é comumente associada ao populismo, por isso, o governo de Getulio Vargas é caracterizado como populista.

A ditadura do Estado Novo foi apoiada por uma polícia política eficiente na perseguição e repressão aos opositores do regime e foi liderada por Filinto Müller. Muitos artistas e intelectuais da época, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Monteiro Lobato, Caio Prado Junior, entre outros, foram vítimas da repressão da polícia política.

Os efeitos da crise de 1929, que atingiu o mundo inteiro, se fizeram sentir de maneira forte desde o início do governo de Vargas, em 1930. A fim de reverter o quadro de crise, o governo adotou medidas radicais, como a queima dos estoques dos produtos que se encontravam sob a guarda do governo. Como essa medida se mostrou eficaz para segurar os preços, o governo comprava grande parte da produção para ser queimada. Entre 1930 e 1939, estima-se que aproximadamente 80 milhões de sacas tenham sido queimadas.

A crise também havia tido impacto sobre a indústria do Brasil, que passou por um período de relativa paralisia. Mas, a partir de 1933, a indústria retomou o crescimento. Assim, na década de 1930, foram criadas no país mais de 12 mil indústrias. Esse crescimento pode ser associado ao crescimento do mercado interno, que acontecia desde a abolição da escravidão, e ao deslocamento de recursos do setor agrícola para o setor industrial.

Além disso, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o país ficou impossibilitado de importar produtos industrializados. Dessa forma, o governo estimulou a fabricação desses produtos para atender às demandas do mercado interno em expansão. O estímulo do Estado veio em forma de intervenções, como as tarifas protecionistas e os incentivos fiscais às indústrias brasileiras.

Assim, a ação do governo foi determinante na medida em que investiu diretamente na chamada indústria de base (tipo de indústria que produz matérias-primas para outras empresas). Vargas também auxiliou na montagem de infra-estrutura industrial, por meio da criação de empresas estatais em setores estratégicos, como de transporte, mineração e siderurgia. Essas características do governo Vargas evidenciam o nacionalismo e o protecionismo que foram marcas desses anos.

Em 1941, foi criada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e em 1945, fundou-se a Companhia Hidrelétrica de São Francisco.

No que concerne à questão social, o governo Vargas também se preocupou em estabelecer novidades em relação à Primeira República. Dizia-se que, nesse período, a questão social era “caso de polícia” e a partir de Vargas, tratava-se de “caso de política”.

A política trabalhista do Estado Novo pode ser vista sob dois aspectos que se ligam diretamente: as iniciativas materiais (leis, decretos, discursos) e a criação da imagem de Getulio Vargas como protetor dos trabalhadores. Assim, o governo levou a diante e sistematizou práticas e discussões que vinham desde o início do século com relação à legislação trabalhista, sempre com a ação da propaganda a fim de afirmar o governo de Vargas como inovador e preocupado com as massas.

Figura 1: Cartaz convocando trabalhadores para festividade do Dia do Trabalhador

Apesar da existência de algumas leis e projetos desde meados da década de 1920, a propaganda varguista afirmava constantemente que, antes de Vargas, não havia direitos sociais no Brasil. De fato, havia uma novidade no trato do governo com relação ao trabalhador: a forma e a intensidade com que a política social foi levada a diante, através do controle direto e do enquadramento dos sindicatos pelo governo.

Leis e decretos trabalhistas já vinham sendo publicadas desde o início de 1930, mas somente em 1941, foi criada a Justiça do Trabalho e, em 1943, foram sistematizadas as normas relativas às relações entre trabalhadores e patrões, através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Muitos estudos da época comparavam essa legislação trabalhista com a Carta Del Lavoro da Itália fascista. Até hoje há quem afirme que nossas leis trabalhistas são cópias das leis fascistas. Mas essa similitude tem sido contestada por estudos atuais que mostram influências maiores das legislações de outros países na CLT brasileira, como por exemplo, a França.

O sindicato único (imposto por decreto de 1931), o imposto sindical e a Justiça do Trabalho foram realizações do governo de Getulio Vargas que sobrevivem até hoje.   A longevidade dessas iniciativas demonstra que elas tiveram amplo apoio e que a estrutura montada por Vargas, especialmente durante o Estado Novo, seria dificilmente desmontada.

O trabalhismo de Vargas não foi constituído apenas de leis e discursos. Houve uma intensa mobilização dos trabalhadores, através de chamados do Ministério do Trabalho. Esse órgão do governo organizava festividades e solenidades, tendo algumas delas se tornado referências para a celebração do encontro do presidente com os trabalhadores.  A mais importante dessas solenidades era a que acontecia no dia 1º de maio (Dia do Trabalhador).

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, o governo de Vargas ficou numa situação controversa, já que o Brasil lutou na Europa (com o envio de pracinhas da Força Expedicionária Brasileira) contra regimes ditatoriais nazifascistas, mas vivia sob uma ditadura com algumas características semelhantes àquelas que se combatia.

Passou-se então a cobrar mais coerência do presidente e ele acabou sendo obrigado por diversos setores da sociedade, como da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a fazer concessões no sentido de uma redemocratização. Assim, em fevereiro de 1945, uma reforma constitucional promoveu a abertura política do país, com o surgimento de novos partidos e a convocação de eleições presidenciais para aquele ano.

A campanha para as eleições presidenciais ganhou as ruas, com a disputa principal entre o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), membro do movimento tenentista do Exército e da Aeronáutica, e o general Eurico Gaspar Dutra (PSD), cujo partido estava ligado a setores oligárquicos e empresariais ligados a Vargas.

Alguns setores da população passaram a promover manifestações de apoio ao presidente Vargas, fazendo surgir o movimento do queremismo, expressão nascida dos gritos que diziam “Queremos Getulio” ou “Queremos democracia com Getulio”.

Mas, em 29 de outubro de 1945, as elites da UDN e os militares, temendo uma guinada à esquerda do governo de Vargas, forçaram a renúncia do presidente, por meio de uma ação militar.

Dicas:

Site www.fgv.br/cpdoc . Contém artigos e documentação da era Vargas.

D’ARAÚJO, Maria Celina. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=0619&ORDEM=A

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